Trate de me surpreender, e nem se atreva a me desapontar.

Depois de tudo o que já foi dito, e do que poderia ter sido, ainda restou o principal. Aquilo que eu não falei, e que você não perguntou. Aquilo que faltou. Isso soa familiar? Vou te dizer porque. Essa minha sensação é a mesma que você tem. A questão é que eu te compreendo, talvez melhor do que ninguém. Temos uma ligação agradavelmente estranha, e sou capaz de apostar que você sabe disso também. Venho ocupando a algum tempo o cargo de amigo imaginário, e mesmo assim você ainda não me encontrou. Ainda não fomos apresentados formalmente, infelizmente. Agora precisamos compensar. Quantas vezes já se questionou? Quantas peças já juntou? O quão próximo já chegou? Se souber essas respostas, está mais perto do que imagina. Me conhecer sem sequer saber quem sou vem sendo meu show particular e sua sina, ou ruína. Virou rotina. A única novidade por aqui é a de que, de uns dias pra cá a ligeira impressão me visitou e decidimos viajar. Ela me fez parar não só pra pensar, mas também respirar fundo, contar até dez, pedir informação, reabastecer e até consultar o mapa, por diversas vezes. Impressões não são lá muito precisas, de fato. Mas elas são indispensáveis nessas ocasiões. Cheguei à conclusão de que você apenas me acompanhar como o vem fazendo não está sendo suficiente, não mais. Queremos mais. Me mostre o que você tem. Me mostre o que já te dei. Quero saber se cuidou bem. Se realmente me conhece, e se melhor do que ninguém. Às vezes fica meio solitária a vida aqui do outro lado, no além. Já que você alega estar sempre por fora de tudo, resolvi te situar. Guardei algo pra você. Mas não posso dizer o que. Perderia toda a graça, embora me poupasse do esforço em te fazer ver. Presentes são no máximo embrulhados, não se entregam de bandeja. Já deu pra notar que sou um desastre em incentivar. Contudo desejo muito que encontre, confesso, me encontrar. Me ver você já viu, mas enxergar vai muito além. Nunca fui tão claro, fato este que com toda certeza não passou despercebido pra você. Mais uma pista de brinde que te dou. Uma que não é falsa, pra variar.Se é um desafio ou um convite, depende única e exclusivamente de sua interpretação. Assim como a culpa, caso alguém descubra antes, será total e absolutamente sua. A questão é que cheguei num ponto em que não posso mais convidar. Ou sei lá, desafiar. Na verdade posso, mas não tô muito afim de facilitar as coisas. Na verdade conto com sua intuição. E discrição. E colaboração. O convite continua de pé. E está começando a cansar. Nesse exato momento, deve estar se perguntando o que diabos eu estou realmente querendo. Não é pra si mesma que deve perguntar. À propósito já estou pronto e bem à vontade, comece quando quiser. Vai ser divertido, como até agora vem sendo. Tudo o que precisa, é fazer as perguntas certas. Trate de me surpreender, e nem se atreva a me desapontar.

— CHARMOSO CANALHA