“Não me ames. Não entregues teu coração em mãos que
já estraçalharam dores piores e mais frágeis. Não acendas o fósforo do
nosso fim, não faças de tudo para me esquecer, não infles uma paixão
errônea e desastrada. Esqueças das cobranças de afetos, de cuidados, de
abraços, porque a solidão nos uniu. Não ames a mim mais do que eu amo a
tua indiferença, o teu desmazelo. Meus calcanhares ainda mostram as
ataduras da última vítima que tentou curar meus passos apressados e
desacompanhados. Sejas essa vida própria que eu invejo. Essa piada que
rimos pela falta de graça, esse mundo do avesso, esse jardim repleto de
ervas daninhas. Deixas que o feio cresça entre as nossas flores, não
regues a inveja de um jardineiro que não fez vingar absolutamente nada
na vida, mas foi feliz enquanto o perfume das mudas sobreviveu. Sejas o
meu pequeno frasco. Sejas um veneno doce e feliz, não digas que me ama,
porque o amor é morte lenta e sofrida, e se for para sofrer, a minha
vida basta. Só a minha. Eu não divido. Não me ames e assopre o nosso
beijo como criança que assopra um dente de leão. Sejas a água que mata a
sede de outras bocas, mas se me queres, reservas o mergulho e eu me
desmancho feito açúcar em água doce. Amor é água salgada. Arde nas
minhas cicatrizes expostas. Sejas esse continente sem mapa, jamais me
entregues a chave do teu segredo, porque eu engoli a minha antes que
alguém soubesse que eu a tinha. Vivas comigo um romance real. Com hora
para acabar, mas sem hora para começar. Podemos nos amar a cada minuto, a
cada segundo, porque nosso amor dura menos do que uma decepção. Dura
menos do que um arrependimento. Podemos nos apaixonar perdidamente em
cada passo achado. Pensas em mim por essa noite apenas. Na outra, matas a
saudade. Mas na próxima, eu sumirei. Não deixes que a saudade morra,
para que a companhia se desfaça. Amor é uma flor regada demais. Não
permita que eu me afogue nas raízes. Sejas o pólen que escapa para uma
terra menos alagadiça, e floresças por aqui bem perto, se assim
quiseres. Mas não me ames. Não admita a submissão que as palavras da
eternidade, cobrando uma felicidade egoísta e ditatorial, possam causar
em tua morte súbita, bonita e poética. Não me ames hoje, nem amanhã. Mas
eu sentirei o teu amor de ontem. Dormido e quente. Eu sentirei o teu
amor sem cobranças, eu sentirei a tua alma cansada de não amar, eu
sentirei o teu corpo exaurido de saudade. Descansado em mim. Eu sentirei
que o nosso amor já não aguenta mais existir, mas que é real. O que
importa é ser real. Quando não se ama alguém, não sobra tempo para
pensar em não amar. Amor é queda livre. Sejamos livres, enfim. Só te
peço uma única condição: não me ames, mas não esqueças de tentar amar.
Amor é nossa única tentativa. E o gosto do erro é maravilhoso.”
Cinzentos
Cinzentos
Cinzentos
Reviewed by
Marcelo Pigozzo
on
07:57
Rating:
Simplesmente lindo amei excelente texto bjux
ResponderExcluirSuave ou frágil, não importa quantas vidas serão vividas. o amor ainda será o bálsamo do ser humano.
ResponderExcluir